Grego Koiné – Lição 4: Substantivos (introdução a declinações e casos)

Ancient greek text marble carving. Ephesus excavation site. Turkey

Já estamos na quarta lição sobre o Grego Koiné. Como comentado na lição anterior, a maioria dos livros de gramática e cursos costumam começar o ensino da gramática grega pelos substantivos. Mas, por uma questão de didática, começamos a lição anterior com uma introdução aos verbos. Agora, para que possamos criar e traduzir as primeiras frases (frases simples, é claro), vamos fazer uma breve introdução aos substantivos.

ÍNDICE DE LIÇÕES DE GREGO JÁ DISPONÍVEIS

Lição 1 – História da Língua Grega
Lição 2 – Alfabeto e Transliteração
Lição 3 – Verbos (introdução e tempo presente)
Lição 4 – Substantivos (introdução a declinações e casos)
Lição 5 – Artigos
Lição 6 – Adjetivos
Lição 7 – Preposições (εἰς, πρὸς e ἐν)

Antes de começarmos, gostaria de repetir o que falei no artigo anterior:

  • Primeiro: para entender a gramática grega é importante compreender a gramática da sua própria língua nativa, no meu caso o português. Essa é uma das grandes dificuldades que a maioria dos aprendizes do Grego Koiné ou de outras línguas tem – não conhecer a própria gramática.
  • Segundo: tendo em vista o primeiro ponto, nestas lições veremos, antes de mais nada, um resumo da gramática portuguesa relacionada com a gramática grega.

Em português

Substantivos são uma das classes de palavras mais fundamentais em qualquer idioma, e em português não é diferente. Eles são responsáveis por nomear seres, objetos, fenômenos, lugares e conceitos. Em outras palavras, substantivos são as palavras que usamos para identificar as “coisas” do mundo ao nosso redor. Eles podem ser classificados de diversas formas: concretos ou abstratos, contáveis ou incontáveis, simples ou compostos, entre outros. Por exemplo, “cachorro” é um substantivo concreto que se refere a um tipo de animal, enquanto “amor” é um substantivo abstrato que se refere a um sentimento ou emoção.

Além disso, em português, os substantivos têm gênero (masculino ou feminino) e número (singular ou plural). Isso é importante porque essas características influenciam na concordância com outras palavras na frase. Por exemplo, o substantivo “livro” é masculino e singular, e se torna “livros” no plural. Já “flor” é um substantivo feminino, então usamos “a flor” no singular e “as flores” no plural.

Em grego

Em grego, assim como em português, os substantivos são responsáveis por nomear/identificar as coisas/seres – vivas, ou não. Assim como em português, os substantivos em grego koiné também variam em número: singular e plural e gênero. Só que, ao invés de dois, como no português, há três gêneros em grego: masculino, feminino e neutro. No grego clássico existia também a forma dual (parecido ao dual hebraico), mas ela é praticamente inexistente no koiné e por isso as gramáticas nem mencionam esse gênero. Essa variação em número ou gênero é chamada de declinação. Existem três declinações principais em grego. Veremos mais adiante quais são elas.

Uma das principais diferenças do grego bíblico para o português moderno é o sistema de casos. O português até tem “casos”, mas nossa língua perdeu em grande parte seu sistema de casos e agora depende principalmente de preposições para indicar as funções sintáticas das palavras. Já o grego, ah… para dificultar nossa vida, tem um sistema robusto de casos. Há cinco casos principais, embora alguns gramáticos gostem de complicar explicar bem as coisas e digam que há na verdade oito casos! Vamos ver essas casos mais adiante.

Como se formam as palavras (raiz)

Como diz o livro Noções do Grego Bíblico, “palavras não se desenvolvem acidentalmente, nem isoladas do restante do vocabulário de uma língua, mas derivam de outras palavras, com as quais tem uma raiz comum. Essa raiz é a parte primária da palavra, que transmite o seu significado ou a sua noção básica.”

Veja o seguinte exemplo extraído do mesmo livro:

Ex.: λόγοσ (palavra), derivou-se de λέγο, que significa digo, falo. Sendo assim, a raiz comum, ou seja, a parte da palavra que pode ser usada para dar origem a novas palavras é λεγ.

Há também os radicais de uma palavra. O conceito de “radical” em linguística refere-se à parte mais básica de uma palavra, que contém o significado central da palavra e ao qual diferentes afixos (prefixos, sufixos, infixos etc.) podem ser adicionados para criar novas palavras ou formas da mesma palavra. Em termos de gramática do grego koiné, o radical é a parte do verbo ou substantivo que permanece constante quando você muda o tempo, modo, voz, caso, etc.

Como encontrar um radical

Para encontrar o radical de uma palavra em grego koiné, você geralmente começa com a forma da palavra que é mais básica ou “não marcada”. A partir daí, você remove quaisquer desinências que indicam tempo, modo, voz, caso, etc., deixando apenas a parte da palavra que contém o significado básico.

Exemplo no grego koiné

Vamos pegar o verbo “λύω” (lyō), que significa “soltar” ou “libertar”.

  1. Forma básica (1ª pessoa do singular do indicativo no tempo presente na voz ativa): λύω
  2. Desinência: -ω (indica 1ª pessoa do singular, indicativo, presente, ativa)
  3. Radical: λυ-

Agora, você pode adicionar diferentes desinências ou afixos a esse radical para formar diferentes tempos, modos, vozes, etc. Por exemplo:

  • λύω (lyō) – “Eu solto” (presente, ativo)
  • ἔλυσα (elysa) – “Eu soltei” (aoristo, ativo)
  • λυθήσομαι (lythēsomai) – “Eu serei solto” (futuro, passivo)

Em todos esses exemplos, o radical “λυ-” permanece constante, enquanto as desinências mudam para indicar diferentes aspectos gramaticais.

Declinações

Em grego, o substantivo varia, ou declina, de acordo com o seu gênero (masculino, feminino ou neutro), número (singular ou plural) e caso (para efeitos de didática, usaremos somente 5: nominativo, genitivo, dativo, acusativo e vocativo). Como dissemos, há três declinações principais:

1. Substantivos Femininos (Primeira Declinação)

A primeira declinação é predominantemente de substantivos femininos, embora também inclua alguns masculinos. Esses substantivos muitas vezes terminam em “” (eta) ou “” (alfa) no nominativo singular. Não existem substantivos neutros na primeira declinação.

  • Exemplo: γραφή (graphē), que significa “escrita”
    • Nominativo: γραφή
    • Genitivo: γραφῆς
    • Dativo: γραφῇ
    • Acusativo: γραφήν
    • Vocativo: γραφὴ

2. Substantivos Masculinos e Neutros Terminados em Omicron (Segunda Declinação)

A segunda declinação consiste principalmente de substantivos masculinos e neutros que terminam em “-ος” (ômicron-sigma) para masculinos e “-ον” (ômicron-nu) para neutros.

  • Exemplo Masculino: λόγος (logos), que significa “palavra”:
    • Nominativo: λόγος
    • Genitivo: λόγου
    • Dativo: λόγῳ
    • Acusativo: λόγον
    • Vocativo: λόγε
  • Exemplo Neutro: δῶρον (dōron), que significa “presente”:
    • Nominativo: δῶρον
    • Genitivo: δώρου
    • Dativo: δώρῳ
    • Acusativo: δῶρον
    • Vocativo: δῶρον

3. Outros Substantivos Masculinos, Femininos e Neutros (Terceira Declinação)

A terceira declinação inclui uma variedade de substantivos masculinos, femininos e neutros com terminações menos previsíveis.

  • Exemplo: πόλις (polis), que significa “cidade” (feminino)
    • Nominativo: πόλις
    • Genitivo: πόλεως
    • Dativo: πόλει
    • Acusativo: πόλιν
    • Vocativo: πόλι

Casos

Você talvez esteja agora confuso. Principalmente ao ver os casos: nominativo, genitivo, dativo, acusativo e vocativo. Que Diabos significa isso?

Os casos em línguas como o grego koiné ajudam a entender a função gramatical das palavras em uma frase. Vou explicar cada um dos casos principais e fornecer um exemplo em português para facilitar a compreensão.

1. Nominativo

Função: O caso nominativo é usado principalmente para o sujeito da frase.

Exemplo em Português: “O cachorro mordeu a bola.”

  • “Cachorro” é o sujeito da frase e realiza a ação de morder.

Pergunta-chave: Quem é que…? O que é que…?

2. Genitivo

Função: O caso genitivo é usado para mostrar posse, origem ou relação entre as palavras.

Exemplo em Português: “O carro do João é vermelho.”

  • “Do João” indica a quem o carro pertence.

Pergunta-chave: De que natureza, qualidade ou tipo é…? De quem é….?

3. Dativo

Função: O caso dativo é usado para o objeto indireto e também pode indicar benefício ou prejuízo para alguém ou algo.

Exemplo em Português: “Maria deu um presente para o João.”

  • “Para o João” é o objeto indireto da ação de dar.

Pergunta-chave: A quem…? Para quem…?

4. Acusativo

Função: O caso acusativo é usado para o objeto direto da ação do verbo.

Exemplo em Português: “Eu vi o filme.”

  • “O filme” é o objeto direto da ação de ver.

Pergunta-chave: Que coisa…? A quem…?

5. Vocativo

Função: O caso vocativo é usado para chamar ou invocar alguém ou algo. Em português, não temos um caso vocativo formal, mas o uso de uma pessoa ou coisa sendo chamada em uma frase desempenha a mesma função.

Exemplo em Português: “Oi, João, tudo bem?”

  • “João” é a pessoa sendo chamada ou invocada na frase.

Outro exemplo em Português: “Jesus, ajude-me!”

Espero que esses exemplos em Português ajudem a ilustrar o papel que cada caso desempenha em uma frase. É claro que em línguas como o grego koiné, essas funções são indicadas pelas terminações das palavras, enquanto que em português, muitas vezes, a ordem das palavras e preposições fazem esse trabalho.

Na próxima lição, veja o que são os artigos e como eles são “definidos” em grego.

Referências Bibliográficas

  • Gramática Fundamentos do Grego Bíblico, de William D. Mounce. Edição de Julho de 2009.
  • Gramática Noções do Grego Bíblico, de Rega e Bergmann. 1a Edição, 2004.
  • Noções do Grego Bíblico – Gramática Fundamental , de Rega e Bergmann. 3a Edição, 2014.
  • Initiation au Greg du Nouveau Testament, de Pierre Létourneau. Editora Médiaspaul. Edição de 2010.

8 comentários

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  6. Anderson E.Santos Responder

    William desejo agradecer pelo excelente conteúdo pautado pela: essência, qualidade simplicidade e eficiência.
    Muito obrigado pelo nobre material continue compartilhando conhecimento!

  7. Vivinha Responder

    Esta e a melhor explicação que encontrei sobre declinações no Grego.
    Agradeço muito por transmitir seu conhecimento de forma fácil e didática.

    P.S Sou estudante das Escrituras Sagradas e necessito conhecer, também o grego, por conta das más traduções (todas sem exceção) em Língua Portuguesa.

    Meu professor de linguística dizia que ler um livro traduzido é como ver um filme em preto e branco; e ler um livro na sua língua materna é como ver um filme em cores.

    Um grande abraço.

    • William Zimmermann Autor do postResponder

      Muito obrigado e sucesso nos seus estudos dos idiomas originais da Bíblia!

      Gostei da analogia do seu professor. Eu adicionaria o seguinte comentário ao que seu professor disse: mesmo conhecendo bem as línguas originais, mesmo que a imagem ganhe cores, ela sempre estará um pouco embaçada. Não podemos cair no erro de pensar que, por conhecermos bem os idiomas originais, vamos entender as Escrituras completamente. As traduções modernas geralmente são feitas por comissões de pessoas altamente habilitadas – e mesmo assim precisam de atualizações. Quem dirá uma só pessoa lendo, traduzindo e interpretando um texto de milhares de anos!?

      Particularmente, sou muito grato pelos tradutores e suas comissões. Hoje em dia, temos um esforço em conjunto: linguistas, historiadores e arqueólogos. Essas matérias juntas nos ajudam a limpar um pouco o embaçado da imagem e ter uma visão mais clara. E temos que nos lembrar que os escritores do Novo Testamento também se valeram de uma tradução (a Septuaginta) do Velho Testamento – uma tradução que às vezes também pode parecer falha.

      Mesmo assim, seremos sempre limitados ao entendimento que nossa própria língua possui. É como tentar fazer uma receita, digamos, um bolo de chocolate. O problema é que não temos chocolate. O melhor que podemos fazer é tentar chegar perto do gosto original. Mas dificilmente será igual a um bolo com verdadeiro chocolate. 🙂

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