Neste segundo post falarei sobre estilos de tradução, textus receptus e textos críticos. Já no terceiro e último post falarei sobre o que faz uma tradução da Bíblia ser boa e a análise de algumas traduções da Bíblia disponíveis no português.
Conforme já havia comentado, textos críticos não são textos que criticam a Bíblia ou sua inspiração divina (também não estou dizendo que os autores dos textos críticos acreditam ou não na inspiração divina da Bíblia). Antes são textos base para a tradução bíblica que se baseiam em cópias da Bíblia muito mais antigas das que até então estavam disponíveis.
O texto recebido (textus receptus)
Em 1516, o erudito holandês Desidério Erasmo publicou um texto padrão das escrituras Gregas, o chamado Novo Testamento. Por causa da pressão para finalizar esse texto padrão, Erasmo concluiu tal texto com muitos erros. Esses erros foram corrigidos em edições posteriores, entre 1519 e 1535. Daí, um francês chamado Robert Estienne, também conhecido como Stephanus, publicou diversas edições do Novo Testamento em Grego baseando-se principalmente no texto grego de Erasmo. Para corrigir os erros ainda existentes na obra de Erasmo, Estienne utilizou a edição de 1922 da Poliglota Complutense, além de 15 manuscritos posteriores. Assim, 1950, na sua terceira edição, o texto grego de Estienne ficou conhecido como o Textus Receptus em latim, ou Texto Recebido em português. Em geral dizemos que o textus receptus é obra de Erasmo. Porém, como vimos, Stephanus contribuiu em muito para essa obra.
As traduções da Bíblia mais famosas da atualidade baseiam-se principalmente no Textus Receptus ou no texto padrão de Erasmo sem a interferência das correções de Stephanus. Um exemplo disso é a famosa Tradução da Bíblia em Português feita por João Ferreira de Almeida. Segundo a Sociedade Bíblica do Brasil (link aqui) a João Ferreira de Almeida é baseada diretamente na obra de Erasmo. Isso se deve porque não havia outra opção. Outras traduções bíblicas que se baseiam na obra de Erasmo são: King James Version (1611) e a tradução da Bíblia em Alemão por Martinho Lutero (chamada de Bíblia de Lutero, 1534).
Textos Críticos
Os textos críticos são compilações mais modernas das cópias dos originais da Bíblia. Em outras palavras, são textos-padrão mais modernos. Os textos críticos são baseados na crítica textual, a qual consiste na tentativa de aproximar os textos da sua forma originária. Para isso, baseiam-se em vários manuscritos antigos, efetuando uma comparação entre eles.
Em geral, os textos críticos do novo testamento, por serem mais recentes à obra de Erasmo e Stephanus, utilizam cópias dos textos da Bíblia mais antigas dos que a do Textus Receptus. Por serem mais antigas, logicamente há menos perda da originalidade e menor incidência de erros. As traduções da Bíblia mais modernas em geral baseiam-se nos textos críticos, consultando-se esporadicamente o Textus Receptus. É por isso que, se você pegar a Bíblia de Almeida (baseada no Receptus) e comparar com uma tradução moderna, baseada nos textos críticos você não encontrará alguns textos, geralmente marcados com um asterisco, um hífen ou em letras menores nas novas traduções. O motivo? Com as novas descobertas de rolos, pergaminhos e demais escritos, muito mais antigos dos que os disponíveis na época da tradução de Almeida, descobriu-se que tais textos eram espúrios, ou seja, inseridos não pelo escritor original, mas muito tempo depois, quer para fazer comentários quer para alterar o sentido original e adaptar-se as próprias crenças das pessoas. Veja um exemplo:
A Almeida Corrigida e Revisada Fiel, em 1 João 5:7, 8 reza:
Porque três são os que testificam no céu: o Pai, a Palavra, e o Espírito Santo; e estes três são um.
E três são os que testificam na terra: o Espírito, e a água e o sangue; e estes três concordam num. 1 João 5:7-8
Com o passar do tempo, descobrindo-se escritos muito mais antigos do que os usados por Erasmo e, consequentemente por Almeida, viu-se que essa passagem não estava nos originais da Bíblia. Com a análise crítica descobriu-se que este texto na realidade diz:
Há três que dão testemunho:
o Espírito, a água e o sangue; e os três são unânimes. 1 João 5:7-8 – Nova Versão Internacional
Não é culpa de Almeida que sua tradução ficou dessa maneira. Ele não tinha acesso a textos mais antigos. Mas hoje nós temos. Hoje sabemos que este texto não fala em Pai, Palavra e Espírito Santo, somente em espírito, água e sangue, como rezam nas traduções mais atuais.
Estilos de tradução
Há muitos estilos diferentes de traduções da Bíblia. Irei citar três: duas que vão de um extremo a outro e outra intermediária. Também direi os pontos positivos e negativos.
Traduções interlineares
As traduções interlineares da Bíblia trazem o texto original em grego, hebraico ou aramaico (baseado em um texto padrão na realidade) e, embaixo (ou em cima) a tradução palavra por palavra. Às vezes colocam também a transliteração das palavras dos idiomas originais. Pontos positivos: você poderá saber exatamente o que estava escrito no idioma original da Bíblia. É muito útil para estudos avançados das Escrituras Sagradas. Pontos negativos: Uma leitura corrida de uma história bíblia ficará complicada. Se você não conhecer muito bem o idioma original da Bíblia (hebraico, aramaico ou grego), o contexto histórico ou cultural, muitas vezes você não entenderá o que o texto quer dizer. Além disso, traduções interlineares tentem a colocar apenas um significado da palavra original. Porém, dependendo do contexto, a palavra pode assumir outro significado.
Outro ponto é que uma só palavra no nosso idioma muitas vezes não serve para expressar exatamente o que a palavra no idioma original queria dizer. Exemplo: a palavra que geralmente é traduzida para amor em português, em grego pode ter diversos significados. Isso porque em grego temos diversas palavras para amor. Temos, entre outros o amor a·gá·pe (que é o amor baseado em princípios, que não tem nada a ver com o amor romântico) fi·lé·o (que é o amor fraternal, demonstrado entre irmãos e membros da família) e o é·ros (amor romântico). Ambas as palavras significam “Amor” se traduzíssemos literalmente. Mas, para ter o pleno sentido, talvez seria necessário traduzir com mais de uma palavra, o que muitas vezes não é feito em traduções interlineares.
Resumindo: sem dúvida traduções interlineares são excelentes. Mas só são realmente úteis para quem tem um conhecimento mais avançado e aprecia fazer estudos mais profundos. Nesse ponto vale lembrar-se de um ditado: “pouco conhecimento é pior do que nenhum”.
Traduções parafraseadas
As traduções parafraseadas (ou de paráfrase) são outro extremo. Em geral, para tornar o texto mais fácil de entender, os tradutores acabam reformulando livremente a mensagem da Bíblia, retirando textos que talvez se repitam, resumindo-os ou dando sua própria interpretação dos textos. Um exemplo de Bíblia mais parafraseada é a Bíblia na Linguagem de Hoje. Ponto positivo: leitura dinâmica, fácil de entender. Pontos negativos. Embora seja muito fácil de entender, a Bíblia traduzida neste estilo perde em muito seu conteúdo original. Muitos pontos doutrinais são desconsiderados.
Certa tradução parafraseada, por exemplo, simplesmente anula vários tipos de comportamentos dos que não herdariam o “reino dos céus” para o uso de uma expressão: “os maus não herdarão o reino dos céus.” Porém, entre outras características, este texto (1 Coríntios 6:9, 10) diz que beberrões, idólatras, ladrões, assassinos, homens que se deitam com homens não herdariam o reino de Deus. O fato é que, para se “adaptar aos tempos modernos” tais traduções da Bíblia “pecam” ao dar sua própria interpretação e retirar o que os tradutores consideram inútil ou antiquado.
Traduções de equivalência formal
As traduções de equivalência tentam usar o bom de cada estilo de tradução. Não são traduções palavra-por palavra nem paráfrase. É verdade que às vezes é necessário usar paráfrase ao traduzir, mas tentam não fazer muito isso. Pontos positivos: geralmente mais fácil de entender e ao mesmo tempo mais exata. Quando possível o texto é vertido literalmente. Quando não é possível, o texto é traduzido para o mais próximo possível, baseando-se no contexto. Pontos negativos: diria que esse é o melhor estilo de tradução. Se a tradução será boa ou não dependerá do(s) tradutor(es) e dos textos-padrão utilizados.
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No próximo post falarei sobre o ponto chave do nosso artigo: o que faz uma tradução da Bíblia ser boa? Além disso, farei a análise de algumas traduções da Bíblia disponíveis na língua portuguesa. Até mais!
Fontes
- Site da Sociedade Bíblica do Brasil:
- Bíblia Almeida Revista Corrigida e Fiel;
- Bíblia na Linguagem de Hoje;
- Bíblia Nova Versão Internacional;
- Tradução do Novo Mundo da Bíblia Sagrada (apêndices);
- A Sentinela 1/5/2008 – Páginas 18 – 22. Artigo: Como você pode escolher uma boa tradução da Bíblia?
As palavras registradas em 1 João 5:7-8, são palavras expurias, ou seja acrescidas.
Apocalipse 22:18;19, menciona sobre a gravidade de uma falha como essa.
Note só a ironia da tradução: Tradução Almeida Corrigida Revidada e Fiel. Onde está a fidelidade desta tradução, com um erro tão grave desses. E ainda tem outros tantos.
Sim, exatamente, além do que realmente não há nenhuma passagem bíblica que indique o Espírito Santo é uma “pessoa” e em nenhum momento as 3 supostas pessoas são mencionadas juntas.
Acredito que uma das passagens mais elucidativas seja quando Jesus falou em joão 14:28: “o Pai é maior do que eu”. Fato é que Jesus falou estas palavras quando na Terra, no entanto, para não deixar dúvidas, quando Jesus já se encontrava nos céus, após sua ressurreição, o apóstolo Paulo foi inspirado a escrever em 1ª Cor. 11:3 que Deus é o cabeça de Jesus, indicando claramente que o Pai – Deus continuava sendo o único e maior que seu amado Filho Jesus.