História do Cristianismo: Presbíteros – quem eram e quais eram suas responsabilidades?

Imagem de um Peixe e um homem sengo engolido por ele, representando Jonas. Imagem gravada em pedra em uma tumba dos primeiros cristãos.

No artigo anterior, vimos como a Igreja (congregação) Cristã do primeiro século começou a ser organizada. Vimos também a responsabilidade inicial dos 12 apóstolos de Cristo (11 dos originais + Matias substituindo a Judas, provavelmente um dos 70) e do comitê central de Apóstolos e Anciãos que existia em Jerusalém. Mas e depois? Como cada Igreja (congregação) estava organizada? Quem eram os presbíteros (anciãos/pastores)? Neste artigo, veremos a análise da Bíblia e de duas fontes fora da Bíblia, de dois cristãos chamados Inácio e Policarpo, contemporâneos dos últimos apóstolos.

Tal como no primeiro artigo, se você desejar apenas um resumo sobre as funções dos presbíteros (anciãos/pastores), vá até o último tópico deste artigo. Caso queira uma análise mais completa, não deixe de ler o artigo por completo. Além disso, não deixe de dar seu feedback e, caso encontre algum erro ou algum argumento adicional (quer favorável quer contrário às minhas pesquisas), por favor, deixe seu comentário logo abaixo.

Os presbíteros

O substantivo grego presbiteros (πρεσβιτεροσ), segundo Strong, significa basicamente “alguém de idade avançada, ancião”. Essa palavra aparece várias vezes nos evangelhos, referindo-se aos líderes judeus. Mas é interessante que, logo depois de os seguidores de Cristo terem sido chamados pela primeira vez de cristãos, é que encontramos a primeira referência no contexto da nova Igreja à palavra presbiteros. Encontramos o primeiro uso dessa palavra no meio Cristão em Atos 11:30. Depois de um profeta cristão chamado Ágabo ter predito uma fome por todo o mundo romano, enviaram ajuda humanitária aos presbíteros que moravam na Judeia pelas mãos de Barnabé e Saulo.

Como alguém se tornava presbítero?

A próxima referência dentro da Igreja cristã nos dá mais detalhes. Ela se encontra em Atos 14:23, que diz: “Então [Paulo e Barnabé] lhes constituíram presbíteros em cada igreja; e, tendo orado e jejuado, eles os consagraram aos cuidados do Senhor, em que haviam crido” (King James Version). Aqui há uma diferença de entendimento entre várias traduções… Por quê? É porque no texto temos o uso de uma expressão grega que pode ser traduzida como “depois de terem levantado/imposto as mãos sobre eles…”. Alguns entenderam que isso significava que esses presbíteros (anciãos) haviam sido eleitos, por meio de votos de mão levantada. No entanto, esse parece ser um erro porquê, segundo vários comentários e dicionários bíblicos, o ato de “impor as mãos” partiu dos apóstolos Paulo e Barnabé, mencionados nos versículos precedentes, não da Igreja. O que revela isso é a própria estrutura gramatical grega de Atos 14:23. É por isso que a King James Version insere Paulo e Barnabé nesse versículo. Além disso, a expressão grega χειροτονησαντεσ (heirotonisantes) tem um uso bem mais abrangente. Na obra Antiguidades Judaicas, de Flávio Josefo (livro 6, capítulos 4 e 13 ou Loeb 6:65 e 6:312), também escrito em grego koiné, Josefo usa a mesma palavra para falar da unção de Saul como Rei.

A que conclusão chegamos? Os presbíteros eram escolhidos pelos apóstolos ou homens de confiança deles. Não há relato bíblico ou extra-bíblico do primeiro século que sugira que os membros da igreja escolhiam seus próprios presbíteros.

O que alguém precisava fazer para ser designado como presbítero (ancião)?

Não podemos afirmar, mas pelas indicações encontradas na Bíblia e nas cartas de Inácio e Policarpo, provavelmente antes de ser um presbítero o cristão era um diácono (será explicado mais em um próximo artigo).

Como um presbítero (ancião) deveria ser? Em Tito 1:5-9 vemos que Paulo designou Tito para que ele pudesse designar presbíteros nas cidades de Creta. As instruções dadas para ele foram: “o presbítero deve estar livre de acusação, ser marido de uma só esposa e ter filhos crentes que não sejam acusados de desregramento nem rebeldia. Porque como administrador designado por Deus, o superintendente tem de estar livre de acusação, não deve ser obstinado, nem alguém que se ire com facilidade, nem beberrão, nem violento, nem ávido de ganho desonesto, mas deve ser hospitaleiro, amar o que é bom, ser sensato, justo, leal, ter autodomínio, apegar-se firmemente à palavra fiel com respeito à sua arte de ensino, para que possa tanto encorajar por meio do ensinamento sadio como repreender os que o contradizem.

Qual era a função dos presbíteros

Aparentemente, na fase inicial da igreja no primeiro século, os presbíteros eram os líderes, o conselho ou o colegiado das igrejas locais. Quando alguém tinha uma dúvida ou surgia um problema na igreja para ser resolvido, a igreja como um todo corria para esse colegiado. Caso esse colegiado tivesse dúvidas, na primeira parte do primeiro século, recorria aos apóstolos e outros presbíteros em Jerusalém (Veja Atos 15). Vemos ainda essa submissão do presbitério aos apóstolos em Atos 16:4, 20:17 e 21:18.

Além dessa função de liderança, outra função dos presbíteros está indicada em Tiago 5:15. Lá os anciãos são descritos como médicos espirituais. Podemos entender que, quaisquer problemas de natureza espiritual deveriam ser trazidos aos presbíteros das igrejas.

O apóstolo Pedro, em 1 Pedro 5:1-4 chama a si mesmo de presbítero*. Isso dá a entender que todo Apóstolo era antes um presbítero, assim como todo bispo (veremos mais adiante) também o era. O apóstolo fala que os presbíteros deveriam pastorear o rebanho de Deus (daí que vem o nome comumente conhecido de Pastores), supervisionando (επισκοπουντες – de onde vem o tal “bispo”) tal rebanho.

As cartas de Inácio e Policarpo falam muito sobre Bispos, Presbíteros e Diáconos. Na carta de Inácio aos Efésios, por exemplo, fala-se de “submissão ao bispo e ao presbitério”. Também fala que nas reuniões (cultos) cristãs, a assistência deveria “ouvir atentamente o bispo e o presbitério” (Inácio aos Efésios 20).

Também, na carta de Inácio aos Magnésios, ele trata do nome de dois “dignos presbíteros, Basso e Apolônio”, fornecendo mais uma prova de que as Igrejas não eram governadas somente por uma pessoa. E é nessa carta que encontramos outra função do presbitério. Lemos:

Que o bispo presida no lugar de Deus; que os presbíteros tomem o lugar do conselho apostólico… Tendo, portanto, a mesma atitude de Deus, vocês devem todos respeitar uns aos outros no espírito de Jesus Cristo. Não permitam que coisa alguma os divida, mas estejam de acordo com o bispo e seus líderes… Portanto, como o Senhor nada fez sem o Pai (seja pessoalmente, seja por intermédio dos apóstolos) porque ele estava em sintonia com ele, assim também vocês nada devem fazer sem o bispo e os presbíteros. Não tentem, além disso, convencer-se de que qualquer coisa que façam por conta própria é recomendável. Somente aquilo que fizerem juntos é correto.

Inácio aos Magnésios 6 e 7.

Além disso, em outra carta, Inácio aos Tralianos, vemos que os membros de uma igreja (congregação) local deveriam “submeter-se até mesmo ao presbitério como aos apóstolos de Cristo“. E vai além: “[os diáconos] representam a Jesus Cristo, exatamente como o bispo desempenha o papel do Pai e os presbíteros são como o conselho de Deus e uma associação apostólica. Sem eles, vocês não podem ter uma Igreja.

Essas citações de Inácio, por si só, já nos ajudam a compreender que os presbíteros formavam um presbitério dentro de uma igreja. Além disso, atuavam como conselheiros e administradores espirituais dessa igreja.

Outra função dos presbíteros, pelo menos a partir do 2˚ século EC, se é que podemos chamar de função específica à eles, conforme aconselhou Inácio, era de encorajamento ao Bispo. Ele disse: “é justo que cada um de vocês, especialmente os presbíteros, encorajem o bispo, em honra do Pai de Jesus Cristo e dos Apóstolos”.

Conforme a carta de Inácio aos Filadélfios, presbíteros eram também enviados a outras igrejas para encorajar e edificar seus irmãos de outras congregações. Falando de sua congregação, na Síria, Inácio pediu que enviassem um Diácono para lá, em missão. Daí concluiu: “Se de fato quiserem fazer isso em honra de Deus, não é impossível, visto que algumas das igrejas da vizinhança já enviaram bispos; outras, presbíteros e diáconos.” (Inácio aos Filadélfios 10)

Resumindo, as funções dos presbíteros e do presbitério (corpo de anciãos) eram, inicialmente:

  • Supervisionar o que acontecia dentro da igreja/congregação (1 Pedro 5:1-4, );
  • Aconselhar o Bispo (veremos sobre o bispo no próximo artigo);
  • Pastorear espiritualmente o rebanho de Deus (1 Pedro 5:1-4);
  • Atuar como médicos espirituais (Tiago 5:14, 15);
  • Encorajar (Tito 1:9);
  • Ensinar (Tito 1:9);
  • Julgar e repreender e/ou excomungar pecadores impenitentes (1 Coríntios 5:1-13, 2 João 9, 10, Tito 1:9);
  • Provavelmente, recomendar outros cristãos como diáconos, presbíteros ou missionários (1 Timóteo 4:14 -> o presbitério impôs as mãos sobre Timóteo);
  • Ir em missão a outras congregações/igrejas para encorajar ou instruir.

* Parece que outro apóstolo que também se chamava de presbítero foi João. Em 2 João 1:1 e 3 João 1:1, João chama a si mesmo de “o presbítero”. Alguns tradutores vertem esse texto como “o ancião”, como se João estivesse falando de sua idade avançada, e outros como “o presbítero”, como se tivesse falando de seu cargo de supervisão e autoridade. De qualquer forma, as duas premissas parecem ser verdadeiras.

Qual era o grau de autoridade dos presbíteros?

1 Pedro, capítulo 5, nos versículos 2 e 3 encontramos palavras que nos indicam que a forma de supervisão desses presbíteros seria amável, não dominadora. Antes disso, deveriam seguir o exemplo do pastor principal, Jesus, e ser eles mesmos exemplos para o rebanho.

Da mesma forma, os presbíteros deveriam ser honrados na igreja, serem levados em consideração, principalmente por seu trabalho árduo em favor de todos. Não deveria ser aceito acusação contra os presbíteros, a não ser com base na prova de mais de duas testemunhas (1 Timóteo 5:17-19).

E, conforme vimos nas cartas de Inácio, os presbíteros deveriam ser consultados e nada deveria ser feito sem a consulta a eles e ao Bispo. “Sem o presbitério, não havia Igreja”, disse Inácio.

OBSERVAÇÃO: É digno de nota que, no primeiro século, a Bíblia parece usar de maneira intercambiável os termos “presbíteros” e “epíscopos” (bispos). O texto-chave aqui é Atos 20. No versículo 17 fala-se que Paulo manda chamar os presbíteros, ou anciãos, da Igreja (congregação) de Éfeso. E no versículo 28, falando com esses mesmos homens, ele os chama de epískopos, ou bispos (superintendente, ou supervisor), cuja função seria a de “pastorear a congregação de Deus”. Ou seja, esse texto dá a entender que os títulos de presbítero e epíscopo, ou bispo (ancião e superintendente) eram intercambiáveis e que, na Igreja de Éfeso, haviam vários bispos ou presbíteros – já que eles eram a mesma coisa. O destaque aqui nesse texto é para as funções que eles exerciam: pastorear (cuidar), vigiar e supervisionar (referenciado pela palavra epíscopo) e ser a fonte de decisões, conselho e julgamento (presbítero ou ancião).

Resumo

Quem eram os presbíteros? Os presbíteros, ou anciãos, eram homens espiritualmente maduros, designados pelos apóstolos (ou outros presbíteros designados pelos apóstolos para fazer esse tipo de designação).

Quantos presbíteros atuavam em uma igreja? Em uma igreja havia um corpo de presbíteros/anciãos, também chamado de presbitério. Não havia limite para isso.

Quais eram as funções dos presbíteros ou do presbitério? Pastorear o rebanho de Deus, cuidando dos fiéis. Eram os responsáveis pelo ensino e encorajamento. Também eram responsáveis por cuidar dos perigos espirituais e até mesmo julgar e excomungar pecadores impenitentes. Serviam também como conselho ao Bispo e à Igreja.

Qual era a hierarquia no primeiro século EC? Apóstolos e Presbíteros em Jerusalém -> Apóstolos em Campo e Representantes dos Apóstolos (Missionários) -> Cada Igreja com seus Bispos/Presbíteros e Diáconos.

Qual era a hierarquia a partir do segundo século EC? Cada Igreja com um Bispo e diversos Presbíteros (os quais formavam o presbitério) e diversos Diáconos.

No próximo artigo veremos quem eram os Bispos. Será que os Bispos eram a autoridade máxima? Era o Bispo o líder de TODA A IGREJA CRISTÃ? Quando a figura do Bispo começa a aparecer? Até o próximo artigo.

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4 comentários

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  2. Ezequias Responder

    Depois que eu ouvi e vi um renomado Pastor falar que na sua denominação não consagram obreiros para esta função fiquei preocupado e fui estudar e gostei muito dos esclarecimentos de vocês, confirmando com a Bíblia. OBRIGADO.

  3. Edvaldo jorge Responder

    Até então eu achava que era o pastor principal personagem agora sei que é o presbítero a baixo do Pastor supremo Cristo,muito boa a explicação isto é que deveriam nos ensinar parabéns pela sua ousadia e coragem de falar conforme a palavra da verdade, obrigado

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